quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

O mau hábito de julgar o físico dos outros


Há dias subia as escadas, juntamente com um vizinho. O Sr. J. é um senhor com os seus 80 e poucos anos, habitualmente bem disposto. Mas, por vezes desabafa uma ou outra coisa menos boa. Foi o que aconteceu naquele dia. 

Por um lado estava contente, por finalmente ter encontrado o aparelho auditivo que gostava - sim, porque o Sr. J. é um bocado surdo. Como muitas pessoas com este problema, até ouve os sons, mas por vezes não os consegue distinguir. Tem dificuldade em perceber certas palavras. Quando a coisa começou a ficar complicada, procurou ajuda e, por agora, está bastante satisfeito.

O que o chateou foi a quantidade de comentários de uma certa pessoa. Por serem próximos, via-a com frequência, e sempre que perante um som mais abafado ele perguntava "O quê?", ela dizia-lhe: "Ena... mas tu não consegues ouvir?". Mesmo que só um dia se passasse, se se voltassem a encontrar, invariavelmente ela dizia-lhe "Ehhh... tu estás mesmo surdo!...". Isto repetia-se dezenas de vezes (e a pessoa em questão não tem qualquer problema de demência que a faça esquecer das coisas... é mesmo feitio). Até que um dia ele ganhou coragem e lhe disse: "Mas já me perguntaste isso tantas vezes e ainda não percebeste que tenho um problema auditivo? Agradeço que não estejas sempre a mostrar-te surpresa pela situação, quando já sabes o que se passa e até sabes que já procurei ajuda." Só aí os comentários acabaram...

Recordo-me também de um tio, que andava a perder o cabelo. Pois sempre que se cruzava com alguns conhecidos, diziam-lhe: "Ena pá... estás mesmo a ficar careca." Até que um dia se fartou e começou a dizer: "Obrigada pelo reparo, mas eu também tenho espelhos em casa!". Só aí o deixaram em paz.

Numa outra ocasião, assisti a uma cena deplorável. Tinha para aí uns 11 anos e era amiga da F., uma menina com pele escura. Certo dia, ela estava no autocarro que seguiria para a sua terra. Não é que um grupo de miúdos se juntou e começaram aos gritos: "Preta, preta, preta...!". Doeu-me o coração pela minha querida F. e fiquei indignada com tanta estupidez. De nada valeram as minhas reclamações. Eu era uma e eles eram muitos. Mas esta mania de criticar a diversidade... Na minha opinião, é justamente isso que dá graça ao mundo. Se todos tivéssemos o mesmo tamanho, o mesmo tom de pele, a mesma cor de olhos... que graça teria? Porquê inferiorizar quem não se enquadra em determinado padrão... até porque os padrões mudam consoante a época, a região... enfim!

Eu própria sinto que adquiri algumas inseguranças, graças aos comentários de alguns familiares (só familiares, porque jamais os amigos ou colegas fizeram comentários do género).

A altura dos meus familiares é muito dispare. Se por um lado a minha avó materna só tinha 1,46 m, do lado paterno tenho familiares com quase 2 m. Ainda em criança, eu crescia bastante. Tinha uma prima apenas uns meses mais nova e eu era mais de 10 cm mais alta que ela. Pois havia familiares que sempre que me encontravam me diziam: "Tu estás muito alta... olha a tua prima ao pé de ti... vais acabar alta como os teus outros primos." Até parece que ser mais alto era algo terrivelmente mau. Sinceramente, cheguei a ter medo de crescer muito... E os meus desejos concretizaram-se. Parei de crescer muito cedo e, na verdade, até fiquei baixinha (com 1,58 cm).

Entretanto, já na adolescência os julgamentos continuaram, só mudaram de tema. Na altura, por mais que comesse não conseguia engordar. Isso não me chateava muito, até que uma tia (curiosamente com excesso de peso), passava a vida a criticar-me. Sempre que se encontrava comigo, ela dizia coisas como: "Credo, estás tão magra...", "Qualquer dia o vento leva-te...", " Se tu estivesses de lado, nem te via...". Isto só servia para baixar a minha auto-estima. Mas apesar do baixo peso (pesava 40 kg), agora vejo que as minhas medidas não eram nada más (encontrei um registo com as medidas da época: 88-58-87). Entretanto já tenho peso normal. Mas na altura, quando ia ao espelho, sentia-me a pior das criaturas.

Recordo-me que uma prima mais velha também tinha esse hábito. Quando me encontrava fazia comentários do género "O teu cabelo está estranho, porque o usas tão comprido?" (ela sempre o usou curto), ou então se eu tinha o azar de ter uma borbulha "O que é isso na tua testa?" (como se ela fosse muito burra e eu tivesse de lhe explicar o que era uma borbulha).

Enfim, parece que não, mas estas coisas deixam marca. Eu que habitualmente não me julgava, comecei a pensar que se calhar tinha algum problema... Mas felizmente cresci e deixei de ouvir quem não tem críticas construtivas. Ah! E quanto à minha tia (porque era mesmo um abuso, a quantidade de criticas que ela fazia à minha magreza), disse-lhe o seguinte: ou ela parava de comentar o meu peso, ou deixava de lhe falar. Ela respondeu-me: "Ai, não pensava que ficavas tão ofendida..." (a sério, ainda se fez de vítima!). Mas pelo menos, nunca mais me chateou. E eu jamais fiz um comentário que fosse ao peso dela.

Claro que há comentários de genuína preocupação com a saúde/bem-estar do outro e de crítica construtiva. Esses comentários podem e, por vezes, até devem ser ditos a quem mais amamos (mas o que dizemos e como o fazemos faz toda a diferença).

Contudo, infelizmente muitos julgamentos são pura falta de educação e uma demonstração de desrespeito pela diversidade (basta espreitar as redes sociais, para perceber a quantidade de críticas, especialmente aos corpos das mulheres).

Mas para quem tem o hábito de julgar os outros, gostava que parasse um pouco e reflectisse no seguinte:

- Coloca-te no lugar da outra pessoa. Como é que achas que ela se vai sentir após ouvir o teu comentário?

- Se achas que ela se vai sentir mal, porque comentas, mesmo tendo consciência disso? Tens prazer em fazer a outra pessoa sentir-se mal?

- A tua crítica é realmente construtiva? Achas que vais ajudar a outra pessoa?

- A forma como dizes as coisas, é motivadora? Achas que é assim que consegues que a pessoa tenha vontade de melhorar?

- Tens confiança suficiente para lhe dizer isso? Conheces todos os ângulos da situação?

- Nos vossos encontros o que prevalece? Conversas animadoras, ou não resistes a fazer um ou outro julgamento?

- Será que os teus julgamentos não reflectem antes uma fraqueza tua? Será que fazendo o outro se sentir mal, tu no fundo sentes prazer? E isso, faz-te sentir melhor - talvez até num patamar superior?

- Ou será que isto não passa de um mau hábito aprendido, pelas circunstâncias da tua vida? No fundo podes nem ter bem consciência do quanto magoas os outros. Quando dás por ti já estás a julgar. Mas parar para tomar consciência das próprias acções pode ser o primeiro passo para a mudança. Até porque ninguém gosta de ter por perto pessoas que as julguem constantemente...

Agora, se tu és vítima desses julgamentos:

Não permitas que comentários despropositados de outras pessoas 
afectem a tua tranquilidade.

Como conseguir isso? Sugiro-te 3 caminhos:

① Aprendendo a lidar com as críticas (para isso lê este post); 

② Melhorando a tua auto-estima (este post pode ajudar):

③ Apostando no teu desenvolvimento pessoal e vivendo com propósito

Quando percebes o poder que tens para melhorar, as críticas dos outros só serão úteis se te trouxerem uma lição e se tiverem origem nas pessoas que querem genuinamente o teu bem. O resto... não leves tão a peito.

Foto: trinkien
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"A Felicidade é o Caminho" também está aqui:

2 comentários:

  1. Post maravilhoso... Ainda preciso aprender a lidar com isso. De verdade.
    Como comentários machucam.
    Já passei por uma situação de estar num encontro de família (e com pessoas muito queridas por mim) onde discutiam o que cada um gostaria de fazer no próprio corpo, procedimentos estéticos/cirúrgicos. E eu estava quieta, só ouvindo. Fiquei super constrangida quando disseram:
    - A Brenda que deveria fazer este procedimento também, né? É a que mais precisa de todas nós.

    Fora as piadinhas da infância.
    O que tenho feito é ter reavaliado qual é o meu padrão. O que eu considero bonito PRA MIM, EM MIM e melhorar o que achar que preciso, se é que realmente preciso.

    Pessoas confundem muito sinceridade com inconveniência. Pra mim é tão simples: se ninguém pediu sua opinião ou se não for pra edificar, se cale.
    Algumas pessoas não têm noção do estrago que fazem na autoestima do outro com seus comentários e as que têm noção e ainda assim o fazem, pra mim deveriam procurar uma terapia porque não considero isso normal.

    Beijos!

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  2. Texto fantástico!! que também me define!
    Sempre fui magrinha! Até gravida passava despercebida ! e uma prima (com excesso de peso)sempre que me via dizia...Estás tão magrinha.. Cansei e num dia menos feliz disse-lhe e TU estás sempre gorda!! claro que não me achou graça nenhuma mas provou do próprio veneno .
    E agora acho que a fiz entende outro outro lado…

    Pb

    bjs

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