sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Vidas inspiradoras. Rainha D.ª Amélia: seguir em frente, apesar das tragédias

Nos últimos tempos tenho lido biografias de personalidades históricas. A verdade é que nos podem servir de inspiração. Podemos aprender com os seus exemplos de persistência e retirar lições da forma como lidaram com as adversidades.

Há dias terminei a leitura de "Rainha D.ª Amélia - Uma Biografia" de José Alberto Ribeiro, e fiquei surpreendida com o exemplo de vida daquela que foi a última rainha de Portugal.

D.ª Amélia, filha do pretendente ao trono francês, nasceu a 28 de Setembro de 1865, quando os pais estavam exilados na Inglaterra. Ainda assim, pouco depois, com a queda de Napoleão III, puderam regressar a França. A infância apesar de tudo parece ter sido feliz. A rainha guardava boas recordações desse tempo, da relação com os irmãos, dos momentos passados em casa dos avós... Teve uma educação primorosa e viajou bastante pela França. Conheceu as belezas do seu país e apaixonou-se pela arte e cultura.

Mas com a vinda para Portugal, parece que tudo começou a correr mal. Um sobrinho escritor, chegou a apelidá-la de «tragédia ambulante»!

Quando estava para casar, o povo francês ficou entusiasmadíssimo. Colaborou inclusive nos presentes para a noiva real. O que é certo, é que nessa altura a popularidade da família real cresceu tanto, que os republicanos começaram a ficar preocupados. Então lembraram-se de publicar uma lei, para que nenhum pretendente ao trono pudesse permanecer em território francês. Os pais de D.ª Amélia, tiveram de sair do país, novamente exilados em Inglaterra. Imagina como D.ª Amélia se deve ter sentido...

No casamento, de início tudo corria bem. D. Carlos e D.ª Amélia demonstravam cumplicidade e aparentavam ser felizes, até porque partilhavam muitas paixões: os cavalos, o desenho e pintura, os passeios, os livros... Mas foi sol de pouca dura. D. Carlos, logo se começou a encantar com outras mulheres, deixando a rainha frequentemente só. Acabou profundamente desgostosa com o casamento.

D.ª Amélia teve três filhos, dois rapazes e uma menina. Mas a pequenina, que nascera prematura, sobreviveu apenas umas horas.

No próprio dia em que o marido foi aclamado rei, parecia antever-se a desgraça futura. Acabados de regressar das cerimónias de aclamação, souberam da morte súbita da sua familiar, a imperatriz do Brasil que se encontrava no Porto. O filho mais velho tinha estado todo o dia de cama, com febre. No dia seguinte, o rei era muito aplaudido e a rainha acabou cheia de dores, porque torceu um pé. Uns dias depois o governo Inglês fez um ultimatum a Portugal para que desocupassem os territórios entre Angola e Moçambique em 24 horas.  A partir daqui o rei começou a ser muito criticado, o que aconteceu ao longo de todo o seu reinado. Enfim, um princípio de reinado bem azarado...

A rainha recebia com frequência cartas anónimas insultando-a, enquanto crescia a contestação à monarquia. Os próprios monárquicos não se entendiam, vivendo-se um clima de intrigas no seio político. Entretanto a 1 de Fevereiro de 1908 assassinaram o seu marido e o filho mais velho. Neste episódio, a rainha manteve-se de pé, a tentar proteger o filho mais novo, enquanto batia com um ramo de flores no assassino. Dois anos depois, a monarquia caiu, e ela juntamente com o filho foram exilados para Inglaterra.

Apesar de D.ª Amélia ter muitos amigos, tinha bastante cumplicidade com dois deles: Mouzinho de Albuquerque e "Pepita". Mouzinho foi um herói nas suas campanhas pelo continente africano. Mais tarde tornou-se professor do seu filho mais velho. Mas o esquecimento e até críticas aos seus feitos em África, acabaram por levá-lo ao suicídio. A condessa de Figueiró, carinhosamente chamada de Pepita, era a sua melhor amiga, sempre presente nos bons e maus momentos. Mas infelizmente, também morreu cedo demais.

Entretanto, o único filho sobrevivente, D. Manuel II, havia casado. Mas a noiva ainda na lua de mel, adoeceu quase de imediato. Ficou internada durante algumas semanas e, apesar de ter recuperado, provavelmente ficou estéril. Ela e o marido, nunca conseguiram dar netos a D.ª Amélia.

Alguns anos depois, o filho Manuel morreu inesperadamente. Devido a uma reacção alérgica exacerbada, acabou por falecer com um edema da glote. Tinha 42 anos.

A rainha passou também pelas difíceis épocas das guerras mundiais. Pelo menos no último dos conflitos, apesar de ter dinheiro no banco, estava impedida de o utilizar. Vivia praticamente no escritório da casa (que também servia de quarto), com racionamento de alimentos e pouca lenha - apesar dos Invernos rigorosos, com temperaturas negativas.

Só perto do fim da vida regressou numa visita a Portugal. Passou pelos lugares que mais a marcaram. Sentia-se comovida, pelo afecto e entusiasmo demonstrado pelos portugueses. Pouco depois faleceu e, conforme seu desejo, foi sepultada em Portugal, junto do marido e dos filhos.

Quando faço estas leituras acerca de personagens históricas, devo dizer que não tenho qualquer fascínio pelo facto de ser da monarquia ou da república, pobre ou rica. O que mais admiro é a força quase sobre-humana demonstrada por algumas pessoas. 

D.ª Amélia tinha tudo para ser uma pessoa tremendamente infeliz e amargurada. Claro que sofria, mas a maneira como encarava a vida é para mim uma lição de resiliência. Vejamos como enfrentava as dificuldades:

- Mesmo que a sua vida de casada fosse um desastre, concentrou-se na educação dos filhos. Era uma mãe realmente exemplar e muito, muito carinhosa na forma como falava com os filhos (coisa que não imaginava para aquela época);
- Rodeava-se de amigos, que certamente lhe dariam alegria e também apoio nos maus momentos. Estava com eles frequentemente. Desde que saiu de Portugal, passava parte do ano a viajar, visitando os seus muitos familiares e amigos;
- Exercitava-se bastante. As caminhadas pela Natureza e por Lisboa eram constantes. E eram caminhadas longas, nada de ir lá fora uns 10 minutos. Também adorava andar a cavalo;
- Mantinha-se sempre muito ocupada: em viagens, a ler, a pintar, em eventos culturais e, sobretudo, cumprindo o seu dever de rainha... tarefa que levava muito a sério, mesmo depois de exilada;
- Era uma pessoa muito espiritual, com uma fé inabalável que lhe permitia seguir em frente. Usava muitas vezes a expressão latina fiat, que significa «faça-se» (de acordo com a Sua vontade);
- Apesar de se sentir muito triste em algumas ocasiões, não se concentrava em queixumes (mesmo nos piores momentos). Optava por se concentrar em agir e seguir em frente;
- Desenvolveu imensas actividades solidárias, creio que era uma das suas principais paixões. Visitava doentes em hospitais, visitava Instituições modelo buscando inspiração nas boas práticas, criou instituições, foi enfermeira voluntária durante a 1.ª Guerra Mundial, deu catequese, fez diversas doações. Fiquei admirada porque foi ela quem ofereceu uma bolsa de estudo a Domitília Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra;
- Em diversas situações, em que provavelmente a maioria das pessoas ficaria irritada, ela saía-se com uma piada (ou seja, ainda conseguia ter bom humor);
- O seu lema de vida, apesar de tudo o que passou, era «a esperança».

O autor da sua biografia refere que na última entrevista que deu, o jornalista se mostrou admirado pela ainda muita actividade em que D.ª Amélia se envolvia. A sua resposta é a meu ver muito inspiradora: "Não sei estar parada. É preciso dar à vida uma utilidade, uma preocupação qualquer. Chorar não remedeia nada. Enxugar as lágrimas alheias é esquecer um pouco as próprias lágrimas...".

Fiquei triste por ela, por ter tido uma vida tão cheia de tragédias. Mas, ainda assim, é um verdadeiro exemplo de resiliência.

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"A Felicidade é o Caminho" também está aqui:

1 comentário:

  1. Como voce também admiro essas Biografias, sao pessoas que nos ensinam muito, no caso de D Amelia, vejo que até hoje, esse tipo de personalidade, que nao se deixa abater, sao as mais escolhidas pra viverem as tragédias, ou são assim,porque precisam seguir adiante, serem fortes...eu sempre me surpreendo quando conheço alguém risonha, festiva, sempre de bom humor e quando sabemos mais a fundo sobre ela, nos surpreendemos com as dificuldades que passou ou passa. Deve ser um bom jeito mesmo de nao se entregar e vencer e jamais serem vencidas por qualquer coisa que seja, acho que isso, ja demonstra na D. Amelia uma saúde bem cuidada física e mental. Adimirável. Amei ler seu post nessa manha chuvosa aqui no Brasil. Tenha um lindo dia.

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