Li à pouco o segundo capítulo do livro de Jessica Alexander e Iben Sandahl, "Pais à Maneira Dinamarquesa". Fala da importância da «brincadeira livre» na vida das crianças, daquele "tempo em que eles são deixados à vontade, com um amigo ou sozinhos, para brincar exactamente como lhes apetecer, durante quanto tempo quiserem". Mas na minha mente surge a questão: quanto tempo têm hoje as crianças para o fazer?
A resposta encontra-se no livro e na realidade à nossa volta: o tempo que as crianças têm para brincar livremente tem diminuído drasticamente.
As consequências de brincar menos
Inscrevemos as nossas crianças no Inglês, na Música, na Natação... Queremos dar-lhes o melhor e pensamos que quanto mais conhecimentos adquirirem, mais sucesso terão na vida. Inscrevê-mo-las em actividades organizadas por adultos, para os irmos buscar tarde à escola (caso contrário, onde ficarão? o equilíbrio saudável entre a vida profissional e familiar ainda não é uma realidade generalizada no nosso país).
Claro que as crianças aprendem coisas interessantes neste género de actividades. Mas e as aprendizagens que advém da «brincadeira livre»? Ficam um pouco pelo caminho... (e já falarei delas mais à frente).
As oportunidades para brincarem livremente diminuiram drasticamente nos últimos anos, a par de um aumento da pressão para saberem mais, serem as melhores e se possível mais cedo. Todo este conjunto de factores fizeram disparar os casos de ansiedade, depressão e défice de atenção. E isto não ajuda a que se tornem adultos confiantes e felizes, apesar de ser esse o desejo dos pais.
Verificou-se por exemplo, num estudo do Dr. David Elkind que "(...) as crianças que frequentaram um pré-escolar de cariz académico em vez de desenvolvimento, tendem a exibir níveis de ansiedade mais altos e problemas de auto-estima (...)".
Verificou-se por exemplo, num estudo do Dr. David Elkind que "(...) as crianças que frequentaram um pré-escolar de cariz académico em vez de desenvolvimento, tendem a exibir níveis de ansiedade mais altos e problemas de auto-estima (...)".
As autoras do livro que mencionei, referem que parte da justificação para os dinamarqueses serem tão felizes tem a ver com a forma como são educados. Por exemplo até aos 10 anos, as crianças terminam as aulas às 14h e depois, têm a opção de estar na «escola de tempo livre» (skolefritidsordning) o resto do dia, onde são encorajadas a brincar livremente.
Por cá eu saía da escola às 13h30 (1.º e 2º anos) e depois às 15h30 (3.º e 4.º anos). Hoje a minha filha, que frequenta o 3.º ano, tem muito mais matéria para estudar e 3 vezes mais livros. Não frequenta actividades de apoio à família, mas ainda assim, nuns dias sai às 16h10 e noutros às 17h30. Muito diferente da minha infância, quando (apesar de ter mais tpc's que ela) tinha mais tempo para brincar. E se eu me fartava de brincar...
Porém, hoje em dia as crianças têm efectivamente menos tempo para brincar. No nosso país, na generalidade das situações, os empregos não são organizados de forma a permitir um melhor equilíbrio entre vida profissional e vida familiar. Os pais não têm propriamente disponibilidade para estar mais tempo com os fillhos.
Uma coisa que reparei, é que em países onde existe mais este apoio à família, os parques infantis, quer se localizassem numa cidade ou em pequenas aldeias, tinham sempre crianças, mesmo durante a semana. Por cá, ainda na última semana levei os meus filhos várias vezes ao parque, e estavam sempre vazios. (De notar que moro no centro do país, e apesar de já ter vivido em cidades maiores, desconheço por exemplo esta realidade em cidades de grande dimensão como Lisboa ou o Porto).
Mas falando das consequências de brincar menos, isto faz com que as crianças tenham menos espaço para resolver as coisas por si próprias (gerir conflitos com os colegas, decidir a que brincar, tentar solucionar problemas no decorrer da brincadeira...), tendo menos oportunidades para desenvolver a sua criatividade, assim como uma auto-estima e auto-confiança genuínas.
Também o facto de estarem constantemente a participar em actividades com o objectivo de obterem algo (incutido por outras pessoas) - como boas notas, prémios, elogios dos pais ou dos professores - tem diminuído a motivação interna para as crianças alcançarem os seus próprios objectivos. Esta falta de controlo sobre a própria vida e os acontecimentos que as afectam tem feito com que cada vez mais crianças desenvolvam um locus de controlo externo, em vez de interno. Para perceberes melhor o que isto significa, "Pessoas com um locus de controlo externo acreditam que as suas vidas são controladas por factores externos, como o ambiente ou o destino, coisas sobre as quais têm pouca influência. O que as motiva vem do exterior, e não o conseguem mudar". Ora acontece que pessoas com um forte locus de controle externo têm uma maior predisposição para a ansiedade e depressão. Nos EUA por exemplo, num estudo sobre este tema, verificou-se que em 1960 os jovens tinham 80% de mais probabilidade de dizer que possuíam controlo sobre as suas vidas do que as crianças em 2002.
Claro que em Portugal, a situação pode não ser exactamente a mesma. Mas ainda assim, há que ressalvar que as consequências da falta de brincadeira são iguais em qualquer país e têm influência no adulto que se vão tornar um dia.
O que se aprende quando se brinca livremente
A «brincadeira livre», sem ou com o mínimo de interferência dos adultos, é extremamente importante na vida das crianças. Nestes momentos relaxam, divertem-se, criam, aprendem a resolver conflitos... e desenvolvem características fundamentais para poderem ser felizes.
Com este tipo de brincadeira há 4 áreas de desenvolvimento que são estimuladas:
Desenvolvimento intelectual - nesta área as crianças desenvolvem a sua criatividade, concentração, capacidade de organização e planeamento, sentindo-se mais seguras para adquirir novas competências. Aprendem estratégias de coping (recursos internos que ajudam a lidar com as exigências externas ou internas da vida), que lhes permitem resolver problemas por si próprias.
Desenvolvimento físico - a nível físico, a «brincadeira livre» estimula a coordenação motora e espacial.
Desenvolvimento social - através da brincadeira com outras crianças, aprendem a gerir conflitos, a negociar e a cooperar com os outros. Desenvolvem a empatia e o controle de impulsividade (o que reduz situações de bullying). Começam a ter um entendimento dos vários papéis na sociedade e do seu lugar na família, retendo as tradições e cultura familiar.
Desenvolvimento da inteligência emocional - desenvolvem capacidades importantíssimas para a sua felicidade, que lhes serão úteis ao longo da vida, tais como: a resiliência (capacidade para recuperar e regular as emoções face a situações stressantes - óptima para prevenir a ansiedade e depressão), a auto-estima e auto-confiança. Aumenta também a sensação de controle da própria vida (o chamado locus de controle interno), e, consequentemente, a motivação interna para alcançar os seus próprios sonhos. Desenvolvem o autocontrolo emocional (aprendendo a dominar emoções como o medo e a fúria) e aprendem a «ler» as emoções dos outros. E o melhor de tudo, é que têm mais tendência para experienciarem sensações de alegria e felicidade.
Sugestões para favorecer a "brincadeira livre"
Quantas vezes já ouvimos dizer "Mas os miúdos de hoje não sabem brincar..."? A verdade é que também não têm grandes oportunidades para praticar... Para além disso, o mundo mudou, não podemos esperar que as brincadeiras sejam exactamente iguais às da nossa infância.
Que podemos então fazer, para favorecer a "brincadeira livre"?
1 - Criar um ambiente estimulante - As crianças aprendem através dos 5 sentidos, por isso é importante disponibilizar uma série de materiais que possam estimular todos eles. Não são necessários brinquedos que já façam tudo pela criança (bonecas que andam, falam e rolam, por ex.), mas antes aqueles que puxam mais pela criatividade (quem é que não recorda saudoso da sua própria infância, das construções que fazía com um lego? como se entretia com bonecas ou carrinhos mais simples? ou como se criava com plasticina?). Por vezes nem são necessários brinquedos (uma colher de pau pode servir de microfone, umas folhas de oliveira podem servir de peixe para o "restaurante"... estou a tirar idéias da minha própria infância).
2 - Controlar o acesso às tecnologias - As tecnologias não são algo mau, os excessos sim. Por exemplo há jogos de computador, que desenvolvem a capacidade para reagir rapidamente, outros ensinam inglês, cultura geral, ou proporcionam simplesmente momentos de descontração. Também é agradável fazer uma sessão de cinema, assistindo a um filme na TV (cá em casa até incluímos pipocas!). Contudo também é importante desligar. Quando desligamos criamos o desejado tempo para a brincadeira e aí, é a imaginação que assume o lugar.
3 - Interferir o mínimo possível - Podemos até sugerir uma brincadeira ou explicar como algum brinquedo funciona, mas é importante deixar as crianças decidirem ao que querem brincar e como pretendem fazê-lo. Até quando há conflitos entre miúdos, devemos intervir somente quando a segurança está comprovadamente em risco. De resto, é deixá-las usar a sua criatividade, assim como deixá-las aprender a lidar com as outras pessoas.
4 - Levar as crianças para o exterior - É importante que as crianças entrem em contacto com o que fica para lá das portas de casa ou da escola, nomeadamente explorando a Natureza. Podemos levá-los a um parque, a um jardim, à floresta, a uma praia...
5 - Permitir a brincadeira entre crianças de diferentes idades - Isto permite que as mais novas aprendam com as mais velhas e, estas últimas por sua vez, se sintam gratificadas por ensinarem algo aos mais pequenos.
6 - Permitir que brinquem sozinhas - Esta é uma actividade excelente para as crianças desenvolverem a sua imaginação e processarem as novas experiências, conflitos e acontecimentos do dia-a-dia. Como referem as autoras do livro citado "Envolvendo-se em jogos de fantasia e usando vozes diferentes, podem reviver o que se está a passar no seu mundo, o que é muito terapêutico".
7 - Envolver outros pais no movimento da «brincadeira livre» - Quantos mais pais tiverem a brincadeira como prioridade, mais oportunidades são criadas para as crianças brincarem juntas. Mesmo que na nossa sociedade ainda não hajam grandes facilidades para o equilíbrio família/trabalho, é com a pressão de cada cidadão que as coisas vão mudando. Temos de cumprir os nossos deveres, mas também exigir condições para uma vida melhor.
Foto: DayronPorém, hoje em dia as crianças têm efectivamente menos tempo para brincar. No nosso país, na generalidade das situações, os empregos não são organizados de forma a permitir um melhor equilíbrio entre vida profissional e vida familiar. Os pais não têm propriamente disponibilidade para estar mais tempo com os fillhos.
Uma coisa que reparei, é que em países onde existe mais este apoio à família, os parques infantis, quer se localizassem numa cidade ou em pequenas aldeias, tinham sempre crianças, mesmo durante a semana. Por cá, ainda na última semana levei os meus filhos várias vezes ao parque, e estavam sempre vazios. (De notar que moro no centro do país, e apesar de já ter vivido em cidades maiores, desconheço por exemplo esta realidade em cidades de grande dimensão como Lisboa ou o Porto).
Mas falando das consequências de brincar menos, isto faz com que as crianças tenham menos espaço para resolver as coisas por si próprias (gerir conflitos com os colegas, decidir a que brincar, tentar solucionar problemas no decorrer da brincadeira...), tendo menos oportunidades para desenvolver a sua criatividade, assim como uma auto-estima e auto-confiança genuínas.
Também o facto de estarem constantemente a participar em actividades com o objectivo de obterem algo (incutido por outras pessoas) - como boas notas, prémios, elogios dos pais ou dos professores - tem diminuído a motivação interna para as crianças alcançarem os seus próprios objectivos. Esta falta de controlo sobre a própria vida e os acontecimentos que as afectam tem feito com que cada vez mais crianças desenvolvam um locus de controlo externo, em vez de interno. Para perceberes melhor o que isto significa, "Pessoas com um locus de controlo externo acreditam que as suas vidas são controladas por factores externos, como o ambiente ou o destino, coisas sobre as quais têm pouca influência. O que as motiva vem do exterior, e não o conseguem mudar". Ora acontece que pessoas com um forte locus de controle externo têm uma maior predisposição para a ansiedade e depressão. Nos EUA por exemplo, num estudo sobre este tema, verificou-se que em 1960 os jovens tinham 80% de mais probabilidade de dizer que possuíam controlo sobre as suas vidas do que as crianças em 2002.
Claro que em Portugal, a situação pode não ser exactamente a mesma. Mas ainda assim, há que ressalvar que as consequências da falta de brincadeira são iguais em qualquer país e têm influência no adulto que se vão tornar um dia.
O que se aprende quando se brinca livremente
A «brincadeira livre», sem ou com o mínimo de interferência dos adultos, é extremamente importante na vida das crianças. Nestes momentos relaxam, divertem-se, criam, aprendem a resolver conflitos... e desenvolvem características fundamentais para poderem ser felizes.
Com este tipo de brincadeira há 4 áreas de desenvolvimento que são estimuladas:
Desenvolvimento intelectual - nesta área as crianças desenvolvem a sua criatividade, concentração, capacidade de organização e planeamento, sentindo-se mais seguras para adquirir novas competências. Aprendem estratégias de coping (recursos internos que ajudam a lidar com as exigências externas ou internas da vida), que lhes permitem resolver problemas por si próprias.
Desenvolvimento físico - a nível físico, a «brincadeira livre» estimula a coordenação motora e espacial.
Desenvolvimento social - através da brincadeira com outras crianças, aprendem a gerir conflitos, a negociar e a cooperar com os outros. Desenvolvem a empatia e o controle de impulsividade (o que reduz situações de bullying). Começam a ter um entendimento dos vários papéis na sociedade e do seu lugar na família, retendo as tradições e cultura familiar.
Desenvolvimento da inteligência emocional - desenvolvem capacidades importantíssimas para a sua felicidade, que lhes serão úteis ao longo da vida, tais como: a resiliência (capacidade para recuperar e regular as emoções face a situações stressantes - óptima para prevenir a ansiedade e depressão), a auto-estima e auto-confiança. Aumenta também a sensação de controle da própria vida (o chamado locus de controle interno), e, consequentemente, a motivação interna para alcançar os seus próprios sonhos. Desenvolvem o autocontrolo emocional (aprendendo a dominar emoções como o medo e a fúria) e aprendem a «ler» as emoções dos outros. E o melhor de tudo, é que têm mais tendência para experienciarem sensações de alegria e felicidade.
Sugestões para favorecer a "brincadeira livre"
Quantas vezes já ouvimos dizer "Mas os miúdos de hoje não sabem brincar..."? A verdade é que também não têm grandes oportunidades para praticar... Para além disso, o mundo mudou, não podemos esperar que as brincadeiras sejam exactamente iguais às da nossa infância.
Que podemos então fazer, para favorecer a "brincadeira livre"?
1 - Criar um ambiente estimulante - As crianças aprendem através dos 5 sentidos, por isso é importante disponibilizar uma série de materiais que possam estimular todos eles. Não são necessários brinquedos que já façam tudo pela criança (bonecas que andam, falam e rolam, por ex.), mas antes aqueles que puxam mais pela criatividade (quem é que não recorda saudoso da sua própria infância, das construções que fazía com um lego? como se entretia com bonecas ou carrinhos mais simples? ou como se criava com plasticina?). Por vezes nem são necessários brinquedos (uma colher de pau pode servir de microfone, umas folhas de oliveira podem servir de peixe para o "restaurante"... estou a tirar idéias da minha própria infância).
2 - Controlar o acesso às tecnologias - As tecnologias não são algo mau, os excessos sim. Por exemplo há jogos de computador, que desenvolvem a capacidade para reagir rapidamente, outros ensinam inglês, cultura geral, ou proporcionam simplesmente momentos de descontração. Também é agradável fazer uma sessão de cinema, assistindo a um filme na TV (cá em casa até incluímos pipocas!). Contudo também é importante desligar. Quando desligamos criamos o desejado tempo para a brincadeira e aí, é a imaginação que assume o lugar.
3 - Interferir o mínimo possível - Podemos até sugerir uma brincadeira ou explicar como algum brinquedo funciona, mas é importante deixar as crianças decidirem ao que querem brincar e como pretendem fazê-lo. Até quando há conflitos entre miúdos, devemos intervir somente quando a segurança está comprovadamente em risco. De resto, é deixá-las usar a sua criatividade, assim como deixá-las aprender a lidar com as outras pessoas.
4 - Levar as crianças para o exterior - É importante que as crianças entrem em contacto com o que fica para lá das portas de casa ou da escola, nomeadamente explorando a Natureza. Podemos levá-los a um parque, a um jardim, à floresta, a uma praia...
5 - Permitir a brincadeira entre crianças de diferentes idades - Isto permite que as mais novas aprendam com as mais velhas e, estas últimas por sua vez, se sintam gratificadas por ensinarem algo aos mais pequenos.
6 - Permitir que brinquem sozinhas - Esta é uma actividade excelente para as crianças desenvolverem a sua imaginação e processarem as novas experiências, conflitos e acontecimentos do dia-a-dia. Como referem as autoras do livro citado "Envolvendo-se em jogos de fantasia e usando vozes diferentes, podem reviver o que se está a passar no seu mundo, o que é muito terapêutico".
7 - Envolver outros pais no movimento da «brincadeira livre» - Quantos mais pais tiverem a brincadeira como prioridade, mais oportunidades são criadas para as crianças brincarem juntas. Mesmo que na nossa sociedade ainda não hajam grandes facilidades para o equilíbrio família/trabalho, é com a pressão de cada cidadão que as coisas vão mudando. Temos de cumprir os nossos deveres, mas também exigir condições para uma vida melhor.
Deixo um último excerto do livro, que traduz muito do que aqui escrevi:
"Fala-se da brincadeira como se fosse uma pausa da aprendizagem a sério,
mas, para as crianças,
brincar é aprendizagem a sério."
Mr. Rogers
.............................................................
"A Felicidade é o Caminho" também está aqui:
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