Hoje deu-me para escrever um artigo de opinião, mais um desabafo, que estou a precisar.
Há uns anos atrás, quando tive a minha filha, o hospital (público) onde ela nasceu pareceu-me bom. As instalações estavam bem cuidadas, o ambiente era agradável e na generalidade o pessoal era bastante competente e simpático (que nestas coisas também conta!). Confesso que notei uma ligeira desorganização, e algum atrito entre médicos e enfermeiros. Mas tirando isso, tudo corria bem.
Quase 5 anos depois... as instalações até melhoraram, mas infelizmente têm havido episódios recorrentes, que me deixam cada vez mais desiludida.
Como o hospital tem um buraco abissal em termos financeiros, tentaram reduzir despesas. Conclusão, sendo este um hospital pertencente a um Centro Hospitalar (reúne ao todo 3 hospitais), concentraram as urgências neste hospital (a de pediatria é uma excepção). Para além disso, fecharam a partir de uma certa hora as urgências que existiam nas terras menores. Este hospital passou a receber pessoas quase do distrito inteiro e ainda de distritos próximos. Mas em termos de pessoal, que começou a ser insuficiente, o que se fez? Reduziu-se mais ainda!
Acredito que isto traga pressões enormes a quem lá trabalha, nota-se o stress constante, principalmente na urgência. E fico francamente surpreendida com os esforços que vejo, principalmente da parte dos enfermeiros (que parecem andar numa eterna correria).
E como sei disto? A título pessoal raramente lá vou, mas como sabem dirijo uma Instituição de Apoio a Idosos, e de vez em quando os utentes têm de ser encaminhados para este Hospital.
E o que me chateia a sério?
Assim que se entra no gabinete médico, cada vez com mais frequência (o que me indigna completamente!), no momento em que a funcionária vai a entrar com o idoso, o médico diz "Mas para que é que traz aqui um velho desses?". Agora eu pergunto, então os «velhos» não têm direito a cuidados de saúde? Será que esse tipo de médicos (não podemos generalizar, só alguns o fazem) pensa que dada a idade, nem vale a pena atendê-los? E mais... devem pensar que todos os idosos são surdos, porque não se coíbem de fazer estes comentários à frente das pessoas.
Depois há a falta de espaço para colocar as pessoas no internamento, devido à concentração das urgências naquele hospital. Antigamente, víamos macas pelos corredores, mas no próprio dia em que tinham entrado na urgência. Pouco tempo depois eram encaminhadas. Agora, não é raro haver escassez de macas e de cadeiras-de-rodas. E há dias tive um utente com uma pneumonia 3 dias numa maca, num corredor. Quando ficou internado a minha funcionária vestiu-o sozinho, devido à falta de pessoal. E quando a família o visitou há hora do jantar, estava uma empregada do hospital a dar-lhe comida a uma velocidade doida, enquanto o utente dava vómitos (a coitada da senhora, tinha demasiados doentes para alimentar e não podia perder demasiado tempo com cada um deles).
Recentemente tivemos um utente que se sentiu mal e foi operado de urgência às 22h, tendo alta no outro dia às 10h. A questão é que a ferida nunca mais cicatrizava, não estava com bom aspecto e o senhor começou a sentir-se bastante mal. A nossa enfermeira encaminhou-o para o hospital. Há chegada, o comentário do médico foi aquele que mais detesto: "Mas para que é que traz um senhor desta idade?". E pura e simplesmente recusou-se a ver a ferida do senhor, mesmo sob a reclamação da minha funcionária e com a discordância dos enfermeiros. Nem lhe deu qualquer medicação. Só gritava feito doido. O senhor no outro dia estava tristíssimo a dizer-me "Acredita que o médico, nem sequer me dirigiu uma única palavra? Quanto mais ver o meu problema." A situação do senhor foi-se agravando. A ferida piorou ainda mais, o senhor deixou de se alimentar e só vomitava. Claro que regressou às urgências e aí já foi resolvida a situação. E eu pergunto: onde ficou a humanidade, no meio disto tudo?
Por outra vez, um senhor começou a ter claros sintomas de AVC. Subitamente, entre outras coisas, a memória parecia ter desaparecido, não conhecia nada nem ninguém (nem a ele próprio), deixou de andar, etc. No hospital diziam à funcionária que o senhor não tinha absolutamente nada. Ela insistia que não era assim. Então lá resolveram fazer-lhe análises e... "o senhor está perfeitamente bem". A funcionária voltou a insistir que ele não estava bem. Ainda nesse dia havia andado, falado normalmente, ouvido e reconhecia-se a ele mesmo. Chateou de tal forma o médico que este acedeu a fazer-lhe exames mais profundos. Tinha tido um AVC e dada a extensão, teve de ficar internado uma série de dias.
E então quando um utente fica lá internado? Apesar do médico registar a medicação no computador, passado uns dias, já não é raro me pedirem: "podia trazer-nos a guia de medicação do utente, para sabermos o que estava a tomar?". Acho inacreditável. Então a pessoa está internada e dias depois voltam a perguntar-nos isto? Que medicação deram à pessoa entretanto? Que fazem à medicação que lá deixámos? Não percebo isto.
Tive entretanto uma utente internada num hospital suíço (a filha reside naquele país), e a Instituição hospitalar precisava de dados acerca de uma intervenção que a utente tinha feito em Portugal. Então não é que o nosso hospital disse que tinha os dados, mas que não os podia divulgar? What? Então o objectivo maior de um hospital não é a saúde do utente? Porquê recusar esta informação a outra instituição hospitalar? Aqui só posso especular. Talvez a informação até não esteja organizada como está na Suíça e fosse difícil aceder à mesma, talvez não houvesse tempo para procurar, talvez cá sejam necessárias mais burocracias...
Agora um caso pessoal. Tinham-me informado que a urgência de pediatria tinha passado novamente para este hospital, mas não. No ano passado fui lá com a Letícia com um ataque de asma. Estranhamente, e talvez por ser próximo das 6h00 da manhã não havia um único doente para ser atendido. Também ninguém aparecia para atendê-la. Ela começou a ficar visivelmente aflita. Percorri o maldito hospital à procura de alguém, e com vontade de bater em quem me aparecesse pela frente (viro leoa, quando se trata da minha filha). Encontrei um enfermeiro (graças a Deus!), que me explicou que não havia pediatra. "Ok. Não me diga que não há um médico de clínica geral, pelo menos". O enfermeiro mediu-lhe os níveis de oxigénio e claro que ela necessitava de ajuda. Mas tinha de ir procurar um médico... Lá encontrou um e pediu desculpa pois um dos médicos não tinha aparecido, o seu substituto também não (uma confusão!). Quando encontraram um médico, lá foi fazer um aerossol...e a coisa melhorou. Foi com um antibiótico para casa. E eu fui a um médico privado (que consegui na altura), que lhe receitou uma bombinha de ventilan, pois de tempos a tempos a falta de ar voltava. A situação pareceu acalmar, mas na semana seguinte, voltou a agravar. Fui à urgência de pediatria, onde lhe fizeram um raio-x e o médico ficou preocupadíssimo. Ela estava com uma broncopneumonia e os dois aerossóis que fez não surtiram efeito. Caiu-me tudo naquele momento. Ficou internada... rodeada de fios (para o soro, para medir os níveis de oxigénio e batimentos cardíacos, e fazia aerossóis de tempos a tempos). Gostei imenso do serviço, muito diferente do caos das urgências. Começaram a fazer-lhe fisioterapia respiratória (à qual ela reagia muito bem). Mas talvez para não a cansar demasiado e porque eram pouquíssimos os fisioterapeutas para um hospital inteiro, aquilo era feito o mais rápido possível. Depois de já ter tido alta, e com a concordância do médico de família, fui a um fisioterapeuta privado, que fez maravilhas. Aquelas secreções que ela tinha começaram a sair, para além do facto dele ter mesmo jeito para lidar com crianças. Depois disto consegui também descobrir um médico privado especialista nestes assuntos. E hoje em dia, ela está sem dúvida melhor.
Agora a mais recente piada: no hospital, juntamente com o recibo das despesas de saúde dos doentes, estão a entregar umas folhas com «informações» algo interessantes. Tenho por exemplo um utente, insuficiente renal e com uma série de outras complicações, que com a taxa moderadora e os exames que fez, pagou cerca de 24,00 € (naquela vez). Mas em anexo vem uma folha a dizer o quanto ele custou ao hospital ao longo do ano: 585,00 €. (Até aqui, tudo bem, é uma folha de caracter informativo). Mas a frase que vem nessa folha, até parece que é para as pessoas se sentirem culpadas por irem à urgência. Independentemente dos custos destas folhas (que devem ser aos milhares), são imprimidas para dizer o seguinte:
"Os cuidados de saúde que lhe são assegurados pelo SNS representam um esforço económico de todos os contribuintes através dos impostos pagos".
Em resumo, parece que as pessoas «velhas» em situação de urgência não deveriam ir ao hospital e ainda são uns sacanas porque estão a gamar os impostos dos contribuintes. Digo já que enquanto contribuinte, não me importo nada de encaminhar os meus impostos, para ajudar quem quer que seja a nível de saúde. Acho é que o governo deveria antes pensar, em como seria bom estimular a economia, para arranjar
mais contribuintes! É que desta forma, cada vez vai haver menos dinheiro para a saúde, afinal os impostos têm de ser divididos com os milhares de desempregados do país.
E como funciona o sistema de saúde na maioria dos
países mais felizes do mundo? Bem melhor, sem dúvida! Por exemplo, na
Dinamarca as pessoas toleram os altos impostos, pois entre outros factores, têm um sistema de saúde gratuito e um excelente apoio para os idosos. As pessoas sentem a segurança do apoio do estado desde a infância até à velhice. A Suíça, de que falei atrás, tem inclusive um sistema de saúde, que é considerado um dos melhores do mundo.
Quando estamos bem, o nosso corpo é «silencioso», quase nem nos lembramos dele. Já a doença, pode afectar e muito a nossa felicidade. Por isso, há que repensar o que se está a fazer ao Sistema Nacional de Saúde. Acredito que há pessoas que vão às urgências desnecessariamente, mas será assim com a maioria? Haverá soluções alternativas divulgadas junto da população? Haverá médicos de família para todas as pessoas e a darem-lhe apoio em urgências menos graves? Haverá uma cultura de prevenção? E haverá preocupação com o estado psicológico dos próprios trabalhadores da área da saúde? Haverá algo que acalme a sua tensão constante? Será que há pessoal suficiente para tanto trabalho?... Ficam as questões.
Deixo por último, uma frase de Mahatma Gandhi:
"A
verdadeira felicidade é impossível sem
verdadeira saúde".
E pronto, já desabafei!
Foto: USP Hospitales