terça-feira, 16 de outubro de 2012

Entrevista: «os alemães são pessoas felizes?»

Aproveitando que o meu marido esteve uns dias em trabalho na Alemanha, pedi-lhe para entrevistar um cidadão alemão (adiante identificado como C.) sobre «a felicidade alemã».

Apesar de ser um país rico e muito bem organizado, de acordo com o World Database of Happiness a felicidade média alemã é de 7,1 (numa escala de 0 a 10). É um valor elevado, mas significa que não é um dos países mais felizes do mundo (no topo da tabela encontra-se a Costa Rica com 8,5 e a Dinamarca com 8,3). Numa data de países, inclusive mais pobres, as pessoas sentem-se mais felizes do que na Alemanha.

Com esta entrevista, quis perceber porquê.

1 – Numa escala de 0 a 10, em que 0 é infeliz e 10 extremamente feliz, qual considera ser o seu nível de felicidade habitual? 
C.: 7. (Se repararem não anda muito longe da média, que é 7,1).

2 – Vários estudos indicam que a Alemanha, apesar de ser um dos países mais ricos do mundo, não está no topo dos países mais felizes. Quais pensa serem os factores que explicam o porquê dos alemães não serem tão felizes quanto deveriam? 
C.: Sinceramente o egoísmo de pensar no "eu" acima de tudo e todos e a preocupação em ter mais e mais dinheiro, a qualquer custo (da vida familiar, de ter um trabalho que não se gosta, etc.).

3 – Considera que a felicidade é uma questão cultural/de educação familiar ou tem a ver com o funcionamento da vossa sociedade (democracia, justiça, segurança social, escola, etc.)? 
C.: Penso que a felicidade alemã, a forma como se dá primazia à mesma ou não, advém essencialmente da educação familiar, dos valores que são transmitidos aos filhos.

4 – Na Alemanha existe pouca ou muita desigualdade social? 
C.: Felizmente há muito pouca desigualdade social. Isso é positivo, pois contribui para as pessoas serem mais felizes.

5 – A corrupção está controlada na Alemanha? 
C.: A baixo nível sim, está muito controlada. Por exemplo para emitir um documento ou uma licença numa Câmara Municipal, são necessárias várias assinaturas para garantir que ninguém é corrompido. No entanto, ao mais alto nível existe corrupção e essa não é fácil de controlar.

6 – O governo costuma atender à opinião dos cidadãos, na tomada de decisões políticas? 
C.: No papel sim, vem referido que o governo deve respeitar a vontade popular. Contudo, na prática fazem o que bem entendem, sem ter em conta a opinião do cidadão comum. (Não se realizam tantos referendos como, por exemplo na Suíça).

7 – Quando uma criança nasce, a mãe ou o pai costumam ficar com ela em casa, durante quanto tempo? 
C.: Por norma é a mãe que costuma ficar, cerca de 2 anos. Mas, uma nova lei, permite prolongar esse prazo. 

8 – Como é vivida a velhice na Alemanha? Costumam aproveitar a idade da reforma para actividades que lhes dão prazer (desenvolver um hobby, viajar, etc.)? Costumam frequentar Lares de Idosos? Têm o apoio que necessitam em termos de saúde? 
C.: Infelizmente são poucos os idosos que aproveitam a velhice para actividades que lhes dão prazer (só os mais abastados). A grande maioria acaba por ir para um Lar de Idosos. Sinceramente, os mais novos não querem "tropeçar" nos idosos lá em casa, estes por vezes são vistos como um "estorvo". A solução que melhor encontram para os apoiar é mesmo um Lar. No que respeita à saúde, esta está muito bem organizada e, ou é muito barata ou é gratuita. Qualquer pessoa, idosa ou não, tem o apoio que necessita em termos de saúde.

9 – Por norma as pessoas são felizes no trabalho? Escolhem uma profissão de que realmente gostam? Quantos dias por ano têm de férias? 
C.: Eu diria que cerca de 90% da população não é feliz no trabalho, pois não fazem o que realmente gostam  (isto é o oposto do que se passa na Dinamarca, onde as pessoas são incentivadas a escolher um trabalho que vá ao encontro do seu propósito de vida). Quanto aos dias de férias, quando se começa a trabalhar, por norma, tem-se direito a 30 dias úteis de férias. Passado alguns anos, os trabalhadores têm direito a um acréscimo de 2 dias por ano de trabalho.

10 – Costumam dedicar tempo durante a semana, a actividades que vos dão prazer (artes, convívio com os amigos, viajar, etc.)? 
C.: Isso sim. Adoramos passear no campo, andar de bicicleta, ter um hobby, etc.

11 – O que considera ser o melhor e o pior no funcionamento da sociedade alemã? 
C.: Acho que a sociedade alemã funciona muito bem, desde o sistema de Segurança Social, à saúde, à educação (as pessoas têm muitos apoios e, na maioria, são gratuitos). Pior só o egoísmo das pessoas.

12 – Conhece Portugal? Se a resposta for positiva, qual a sua opinião sobre o país, sobre o que ele tem de melhor e de pior?
C.: Sinceramente, não conheço o suficiente para dar opinião. (Só esteve cá de férias uma vez, em Lagos).
««»»
Esta é a opinião de um só cidadão, mas acaba por nos dar uma visão interessante da sociedade alemã. As conclusões que daqui podemos retirar, é que o dinheiro, por si só, não faz as pessoas mais felizes. Existem outros factores que intervêm na felicidade das pessoas.

Se por um lado, as pessoas se sentem satisfeitas com o funcionamento da sua sociedade (saúde, educação, apoios sociais, etc.), sentem que os impostos são bem direccionados e que existe pouca desigualdade social, existem aspectos que não funcionam tão bem. Destes contam-se a infelicidade no trabalho e a colocação do dinheiro acima de outros valores (estar com a família, ter uma profissão de que se goste mas mais mal remunerada, etc.).

De qualquer modo, esta entrevista já nos dá uma boa perspectiva do que poderá fazer ou não uma sociedade feliz. Agradeço, ao senhor C., pela sua colaboração!

Quanto a Portugal, tem de mudar em vários aspectos, para ter uma população mais feliz. Actualmente, a felicidade média das pessoas é de 5,7. Mas creio que a mudança, mesmo que seja aos pouquinhos, é possível. Temos mais força do que podemos imaginar! Um governo que se preocupasse realmente com a felicidade e bem-estar das pessoas também ajudava...

Foto: Mafalda S. - Rua típica alemã.

7 comentários:

  1. Da maneira como isto anda acho que nem sequer chegamos aos 5! Infelizmente. Claro que só o dinheiro por si só não trás felicidade, mas a falta dele contribui para muita tristeza e ultimamente é uma realidade bem presente no povo português!

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    1. Em 2010, tivemos o pior valor de felicidade média, um 4,6 :(
      O valor de 5,7 é do início do ano, estou só a especular, mas creio que presentemente nos sentimos ainda mais infelizes.

      É verdade, o dinheiro é muito importante para a felicidade. Se bem que que a partir de um certo nível, deixe de ter tanta importância. O problema é que a maioria dos portugueses, pelo menos presentemente, está aquém do limiar para se sentir feliz.

      No entanto, existem outros factores que contribuem para a nossa felicidade. Os que têm maior influência dependem principalmente da nossa forma de ser, de pensar, de estar na vida.

      Mas temos de ter fé no futuro.

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  2. Quando somos bombardeados todos os dias com notícias que só nos deprimem, há mais de um ano, é difícil que a taxa de felicidade não desça... E infelizmente estamos a perder o estado social, somos só números e estatísticas...

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    1. Eu costumo dizer que este governo (e eu até nem me costumo envolver em política), não podia ter criado um «pacote anti-felicidade» mais perfeito.

      Realmente estão a minar o estado social, a contribuir para o desânimo e infelicidade das pessoas.

      Pessoalmente, o que me irrita são 2 coisas: o facto de não terem sido tomadas medidas alternativas que acabaram por resultar noutros países e o facto dos maus gestores que levaram o país a esta situação continuarem impunes.

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  3. Olá Mafalda!

    O conceito de felicidade é algo muito relativo,o que para mim é sinónimo de felicidade pode não ser para o outro.

    Dinheiro não traz felicidade?? Esta frase é uma das mais hipócritas que conheço.O dinheiro por si só pode até não trazer a felicidade, mas não será uma felicidade poder pagar as contas do mês sem dor de cabeça?Estar descansado e pensar que não haverá qualquer dificuldade em educar os filhos até o término do curso?
    Será que pode haver alguém feliz de barriga vazia?Há quem se resigna à uma vida medíocre, desencorajado pelas dificuldades,é até capaz de sorrir, mas isso não se chama felicidade.

    A Alemanha não é dos países europeus que oferece a melhor qualidade de vida, mas ainda assim é possível viver de forma estável,os setores do estado funcionam. A cultura alemã é muito diferente da nossa, para se ter uma ideia, os livros escolares são fornecidos pela escola e passam pelos alunos de uns anos para os outros, enquanto que cá, gastamos pequenas fortunas em manuais que são utilizados por apenas um ano lectivo. É verdade que os alemães não passam a vida nos cafés ou restaurantes, só mesmo em ocasiões especiais, as refeições são feitas em casa com toda a família à mesa, o que por um lado, favorece muito o relacionamento familiar.
    Cá em Portugal serão precisos muitos e longos anos para chegarmos aos pés da Alemanha, a não ser que haja uma grande volta na política económica e social.

    É uma pena Portugal estar a passar por esta situação, é um país cheio de potencialidades e entristece-me quando penso que somos muito poucos os que respeitam este país como merece.

    Beijinhos.
    Patricia.

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    1. Primeiro, é um erro pensar que o dinheiro não traz felicidade. A partir de um certo nível é que deixa de ter tanta importância. No entanto, a sua escassez, principalmente em situações de grande desigualdade social, pode ser uma causa forte de infelicidade. Contudo, como vimos, há outros aspectos que influenciam a felicidade.

      Quanto as refeições em família, não tive muito essa percepção quando estive lá. Era esquisito, porque as pessoas comiam efectivamente em casa, mas cada um para seu lado. Mas não posso generalizar, as famílias não são todas iguais.

      Do meu ponto de vista, Portugal tem efectivamente muitas potencialidades, mas tem sido muito mal gerido.

      Também é verdade que o que faz uma pessoa feliz, pode não fazer outra. Contudo, existe imensa investigação que indica quais os factores que costumam fazer as pessoas mais felizes, se presentes nas suas vidas.

      Beijo

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    2. Mas um tema pertinente né Mafalda? Um ótimo tema de conversa na companhia de um belo cafézinho :)

      Sabe, o meu Joel é alemão, filho de emigrantes, assim como eu :) E ainda temos família por lá.

      Se soubéssemos o que sabemos hoje, teríamos ido para a Alemanha logo depois que casamos, mas...

      A vida lá não é fácil, mas com os mesmos esforços que fazemos aqui, lá chegamos a algum lado.Olha, foi a sorte dos meus sogros terem lá estado.

      Beijinho grande.
      Adoro "conversar" contigo :D

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